O gerente da Baratos se apaixonou pela dramaturgia de João Cícero ao assistir a peça “Meu Coração (ou de carinho e de sexo)” na Sala Baden Powell em 2022. Depois ficou ainda mais impressionado com “Meus Olhos (ou de medo e cuidado)”, encenada recentemente no pequeno, charmoso e acolhedor Espaço ABU.
TRÊS DE SEUS MONÓLOGOS ESTÃO REUNIDOS NO LIVRO que será (re)lançado nesta quarta: “3 Asas: fim de voo”, “Ossos ou O salto de Prometeu” e “Sexo neutro”.
O teatro de João Cícero é de um realismo desconcertante e incomumente corajoso: trata de afetividades corriqueiras, mas do tipo que se costuma ignorar por seu aspecto um tanto marginal – aos olhos do “cidadão de bem”. Em seu universo existe amor, mas um amor sem um pingo de romantismo. Seus personagens são psicologicamente muito complexos, mas essa subjetividade está imbricada com as condições econômicas em que vivem. É um teatro militante, mas suas tramas tem reviravoltas surpreendentes, em que classe social – e as opressões que a afligem – são discutidas sem as simplificações esquemáticas a que a arte engajada costuma recorrer. Seu tema predileto é o subúrbio carioca.
A PARTIR DAS 18h na Baratos da Ribeiro Livraria, na Rua 19 de Fevereiro 90, a 5 minutos de caminhada do metrô BOTAFOGO.
Aproveito pra convidá-lo a assistir a peça “Meus Olhos (ou de medo e cuidado)”, que volta ao Espaço ABU (Avenida Nsa. Sra. De Copacabana 249) no dia 6 – e fica em cartaz até 15 de fevereiro, de quinta à domingo, às 20:30h. Mais a respeito:
““Meus Olhos” narra um dia na vida de um casal que vive junto há oito anos em São Gonçalo. Alcina (Cilene Guedes) é mãe de um presidiário que retornará à liberdade no dia seguinte. Ednaldo (Carlos Marinho), 20 anos mais jovem do que ela, era o melhor amigo do jovem violento que voltará para casa e não sabe da relação dos dois.
Alcina cuida de um idoso e luta para pagar o aluguel e as contas, numa situação de trabalho abusiva. Ednaldo, criado pelos vizinhos, resiste às limitações impostas pela deficiência visual grave que se instalou na infância e piora dia a dia. Para eles, o erotismo e o amor instauram-se sob a necessidade de cuidar um do outro e a sombra do medo. Mas o quanto é possível suportar para viver uma relação de amor?
O texto é o resultado de uma pesquisa dramatúrgica etnográfica e da experiência de quatro anos de João Cícero como professor de artes numa escola próxima à comunidade do Morro do Castro, em São Gonçalo, onde mora o casal da peça. As observações da pesquisa trouxeram para a trama um retrato da vida hoje nesse território.
Estão na peça os choques do conservadorismo ideológico, as vivências religiosas de matriz africana e cristã, a proximidade da violência e do encarceramento e seu efeito devastador na vida familiar, o esforço desmedido das mulheres trabalhadoras, mães solteiras e viúvas para o sustento de seus lares, os relacionamentos amorosos com grande diferença de idade e a recusa (não de todo opcional) de lidar com a deficiência como um limitador da existência e do trabalho. Para o tema da cegueira João Cícero contou com a consultoria de Ana Maura, cantora lírica deficiente visual, que já teve baixa visão e hoje não enxerga mais. Algumas das sessões da peça são abertas com recital da artista, conforme a programação. “Meus Olhos (ou de medo e cuidado)” compõe uma trilogia de amor não romântico com as peças “Meu coração (ou De carinho e de sexo)”, encenada no Rio de Janeiro, em 2022; e “Lábios Meus”, prevista para entrar em cartaz em 2025. “Busco histórias de amor vividas na periferia, em ambientes de violência e precariedade, relações normalmente desprezadas nos palcos de teatro. Falo de amor sob o ponto de vista de pessoas subalternizadas que lutam para sobreviver em espaços negligenciados por ações políticas, culturais e sociais”, explica João Cícero.”
Publicado por Maurício
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