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19 de setembro, no Sebo Baratos da Ribeiro, em duas sessões: às 16h e às 19h.
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O teatro é uma daquelas artes difíceis não só pela precariedade do mercado, mas por ser coletiva. Ainda que o sujeito seja um apaixonado e um estóico, ele precisa arregimentar uma equipe mínima para levar algo ao palco. Pra piorar, diferentemente do cinema, que depois de realizado pode ficar à espera de oportunidades para ser exibido, para uma peça de teatro é tudo ou nada: o limite do alcance de cada apresentação é o número de cadeiras da casa, e uma noite vazia é um prejuízo não recuperável. Já um pintor pode passar uma vida se aprimorando e acumulando sua obra, a ser legada ao irmão, reconhecida nos futuros leilões e apreciada nos museus. Por isso admiro tanto os atores, diretores e dramaturgos que insistem em seguir com seu trabalho, contra todas as circunstâncias.
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Gilberto Behar e Leonardo Thierry são dois exemplos. O primeiro interpretará Freud com 22 anos, no diálogo com Machado de Assis (já nos seus quarenta e tantos) imaginado por Solange Jouvin, e que será dramatizado às 16h. Já Leonardo Thierry resolveu dar ao clássico “esperando Godot”, de Samuel Beckett, um tratamento muito pessoal. É, disparado, sua peça predileta, de um autor pelo qual tem absoluta devoção.
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É impressionante como Leonardo Thierry explica ao resto do elenco como é que se deve montar a versão de “Esperando Godot” que ele parece ter estar imaginado há décadas. Ele fecha os olhos, e é tamanha a precisão das suas instruções que parece haver um filme sendo projetado à sua frente, o qual ele está tão somente descrevendo. Leonardo atualizou a tradução de “Esperando Godot” feita em 1968 por Flávio Rangel, e a renomada Celina Portocarrero o presenteou com uma nova tradução para a “canção do cachorro”. Além de dirigir, Leonardo ainda interpreta Vladimir, enquanto Milton Soares é Estragon.
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(E vejam só como a fé move montanhas: a paixão de Leonardo pela montagem é tanta que ele conseguiu a proeza de convencer Danielle Costa, tímida da ponta dos dedinhos aos fios de cabelo, a participar. Serão delas alguns berros que se ouvirão na apresentação de hoje.)
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O espetáculo será montado, na íntegra, em outubro – planejamos a princípio 8 apresentações, às quartas e sextas. O que apresentaremos hoje na Off-Bienal é um preview deste trabalho, que deve durar cerca de 30 minutos. A equipe técnica é formada por Lui Fon, Daniel Lima, Thiago Carvalho e Pedro Simão.
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Voltando à primeira atração vespertina da Off-Bienal, vamos falar de Gilberto Behar. Quase foi desenhista industrial, até que, apesar da chiadeira da família, decidiu dedicar-se apenas ao seu maior talento, que é atuar. Eventualmente foi livreiro, e só deixou o Sebo Baratos da Ribeiro, onde trabalhou alguns anos, quando o olheiro da Argumento lhe fez uma proposta irrecusável.
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Tanto Léo quanto Gil são figuras familiares, apesar de não terem sido nunca galãs de novela. Leonardo sempre preferiu os palcos, mas sua ascendência inglesa lhe rende freqüentes convites para encarnar gringos em novelas, não só de época – em “Caminho das Índias” foi o maitré de um restaurante-de-Dubai-filmado-na-Barra. Gilberto é um dos garotos-propaganda da BR Distribuidora nesta última campanha, em que ela oferece 2 prêmios diferentes a depender da cor que o cliente escolhe. Mas isso tudo é bobagem. Léo começou no Teatro nos anos 70, trabalhando com Cecil Thiré (de quem foi assistente de direção numa montagem de “Casa de Bonecas”, de Ibsen), participou de montagens ousadas nos anos 80 (incluindo “O apanhador”, texto montado por Bernardo Jablonski a partir do livro de J. D. Salinger,e que foi curiosamente rebatizado como “Eu, Henrique Viana, 17 anos, Reprovado em Seis Matérias, Virgem, Estou Voltando para Casa”), e esteve recentemente em montagens de textos de Peter Shaffer e Friedrich Dürrenmatt (A visita da velha senhora).
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Já Gilberto, além de ter atuado na premiadíssima “Tom Sawyer” de Michel Bercovitch e estrelado e co-dirigido a comédia “Surto A Dois” há poucos anos, montou pela primeira vez seus próprios textos em julho passado, no Café Pequeno, em Botafogo. Foi na mesma época que outro ex-funcionário do sebo, a Ingrid Duarte, fazia sua estréia nos palcos. Guidi é muito jovem, mas partiu pra estrada com sua trouxinha muito cedo, e é realmente multi-tarefa. Começou a estudar teatro na Facha, quando estava terminando jornalismo, mas já é cantora faz bastante tempo. Quem acompanha as boas bandas do circuito independente carioca lembra dela dos tempos da finada Pic Nic.
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De todo modo, sobe o teatro, em geral, não tenho muito a dizer. Para mim o teatro está para os Role Playing Games assim como o cinema está para o sexo. Calma, eu explico. Já joguei muito RPG (ao vivo, com dados e sem tabuleiro, não estou falando de jogos de computador), mas parei por falta de tempo, de oportunidade e de um grupo bacana o bastante. Porque quando conduzida por um mestre envolvente na forma de narrar e bom de improviso, na companhia de jogadores imaginativos e mais atentos ao drama da partida do que às próprias vaidades, uma sessão de RPG pode ser uma delícia. Mas uma sessão ruim dá um arrependimento danado, uma raiva até pelo tempo jogado no lixo. Já o sexo, mesmo quando é feito com pressa e sem muita graça, ainda é bom programa, não acham? Como eu não tenho o hábito de ir ao teatro, quando a peça é furada, ou simplesmente não me agrada, eu fico numa angústia desgraçada, um mau humor terrível. Já o cinema é para mim um ambiente mais confortável. Mesmo que o filme seja ruinzinho, consigo me divertir fazendo troça com os defeitos ou curtindo a companhia dos amigos.
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E aproveito para me oferecer aos grupos de RPG dos amigos que estejam aceitando novos membros. A Dani viciou nesse tal Mafia Wars e apesar disso me irritar loucamente, estou disposto a apresentar minha esposa ao RPG de verdade, para que ela perceba o quão besta é esse maldito aplicativo do Facebook.
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Um abraço a todos,
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Maurício Gouveia
Gerente
Sebo Baratos da Ribeiro
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P.S.: aquela foto descabida que ilustrou a chamada pra Off-Bienal na última revista Programa, do Jornal do Brasil, foi tirada na verdade faz já alguns anos, quando Gilberto ainda era livreiro da Baratos da Ribeiro. A ruiva sorridente que me acompanha e ao Gil é a saudosa cantora e pintora Júlia Debasse, que anda sumida. O jornal pediu fotos, mas ficava insatisfeito com tudo o que eu mandava. Acabei enviando trocentas imagens de arquivo, e ri à beça quando vi o que, afinal, eles tinham escolhido.
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Publicado por Maurício
Tópicos: OFF-Bienal, Teatro